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Rasgaram a Constituição

Teresa Costa d'Amaral
Jornal da Tarde
São Paulo, 31 de dezembro de 2010

Há pouco tempo o DataSenado divulgou uma pesquisa realizada para conhecer a realidade das pessoas com deficiência no Brasil. E a única boa surpresa foi quanto à metodologia utilizada porque, pela primeira vez no Brasil, foram ouvidas as próprias pessoas com deficiência e não as instituições ou os órgãos de governo responsáveis por seu atendimento.

À medida que avançamos na compreensão dos dados levantados e dos resultados desenhados nesse trabalho, vai se formando um dramático retrato de exclusão social que uma democracia não pode admitir. Rasgaram a Constituição e não contaram para ninguém.Foi essa a certeza que ficou para mim após ter lido cuidadosamente esse relatório.

Não que já não tivesse essa convicção,baseada na convivência e no trabalho de algumas décadas com pessoas com deficiência. Mas agora tenho dados concretos, confiáveis, que permitem quase uma certeza. Algumas constatações impressionaram. A mais alarmante nem precisa de interpretação, 77% das pessoas com deficiência acreditam que seus direitosnãosãorespeitados. Esse reconhecimento poderia ter resultado em atitudes de impacto da população com deficiência. São 10% da população brasileira que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), tem alguma deficiência, e desse sentimento de desrespeito esperaríamos protesto e engajamento na luta por seus direitos básicos.

Mas não é isso que acontece: a naturalização da exclusão da deficiência é de tal forma violenta no Brasil que é capaz de transformar o que deveria ser uma política de construção de direitos em uma prática de concessão de favores. Mas as respostas coletadas pela pesquisa vão mais além, demonstram também a esmagadora experiência vivida, pela maioria das pessoas com deficiência, de não conseguirem alcançar seus direitos básicos de ter acesso à saúde, educação e profissionalização. Todos garantidos pela Constituição. E mais, mostram a falta de acessibilidade nos prédios públicos, nos prédios particulares de uso coletivo, nos transportes. É o direito básico de ir e vir ininterruptamente retirado das pessoas com deficiência. Onde ficou o tão louvado Estado Democrático de Direito?

Essa pesquisa revelou a ausência de políticas públicas consistentes e deve começar a mostrar a todos que não há como fugir dessa realidade: para construir um Brasil democrático é indispensável realizar grandes transformações nas condições de cidadania das pessoascomdeficiência.

Segundo pesquisa internacional, temos a melhor e,infelizmente, a menos respeitada legislação das Américas.É por isso que digo: o resultado reafirmou minha convicção de que, podendo, o Estado torce contra. E a Constituição que tenha suas páginas amarelecidas e rasgadas.

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